quarta-feira, 20 de maio de 2009

em luanda ou em qualquer parte...

Quando um almoço vale ouro!

São quase duas da tarde, oiço chamar o meu nome e o da minha irmã há algum tempo. A voz da minha avó faz-se ouvir no pátio do bairro. Do alto do 3º andar vai gritando “Rita! João! Venham almoçar!”. Logo agora, quando o jogo da "apanhada" estava para começar…

Tinha 8 anos. A fome que sentia era alimentada pela alegria de brincar junto aos meus amigos, os meus vizinhos. Tantas e tantas vezes fui chamado para almoçar, a meio duma corrida, a meio da «apanhada» ou outro jogo qualquer. Corria, corria até casa, para me sentar à mesa, corria para voltar a correr o mais depressa possível para junto dos meus amigos.

Já com 16 anos, o processo era quase idêntico. Depois das aulas pela manhã, ligava a moto, e logo, logo me punha a caminho de casa, para almoçar. Tão depressa ia como voltava, para me juntar aos amigos, novamente na escola, num café ou outro espaço qualquer de convívio.

Na faculdade, a história não mudou. Almoço em passo apressado para regressar ao convívio dos amigos, mesmo quando o mesmo era partilhado na cantina, era apressado. Não tantas vezes quanto devia ele era apressado para que pudesse assistir às aulas da parte da tarde, mas sim para regressar ao convívio dos restantes amigos.

São agora onze da manhã. O pequeno-almoço que degustei há praticamente 3 horas já se foi. Sinto o estômago vazio. A noite de sono mal passada abate-se sobre mim, mas o trabalho não me deixa repousar. Anseio, anseio pela hora de almoço. O momento do dia em que faço uma pausa, saboreio uma refeição, relaxo um bocado, converso com os colegas de trabalho que são agora meus amigos. “Recarrego baterias” para o resto de dia de trabalho.
Agora que já trabalho, o almoço vale ouro. Primeiro, porque pago por ele e bem por aqui (quando tinha 8 anos era me colocado no prato, em cima da mesa, à frente da cadeira que esperava por mim, até há pouco tempo era “subsidiado” pelos pais), dou-lhe mais valor, é bom que seja bom. E vale ouro pela pausa que me permite, a descontracção que me confere.


São onze da manhã e como eu queria ouvir “oh João! Vem almoçar!”



Alguém quer comprar banana pão? Um pouco de mandioca? Tem de tudo... barato...
Na imagem da esquerda é possível observar como as mulheres transportam os seus filhos... com um lenço atado à cintura... aqui, quando um filho se porta mal, um dia mais tarde, para além de ouvir o vulgar "...e carreguei-te no ventre durante nove meses...", ainda deve ouvir: "...e foram mais uns quantos a carregar-te nas costas"
Eu pergunto-me como farão com gémeos? (virá agarrado junto à barriga, dirão... mas e se for trigémeos ou mais? complica...)

terça-feira, 12 de maio de 2009

faz parte do trabalho...



mas confesso que não é fácil, por vezes é mesmo desagradável... vestir o fato e andar ao calor pelas ruas de Luanda.

quinta-feira, 7 de maio de 2009

Assalto à mão desarmada

Como vem sendo hábito desde que fui colocado na Sonangol, hoje tomei café na pastelaria mensagem, a uns 300 metros da entrada do edifício, do lado contrário da rua. Uma manhã normal, como em tantas outras. Estou sozinho. Saio porta fora e caminho pelo passeio. Coloco-me entre dois carros estacionados, prestes a atravessar, quando sou interpelado por um jovem, não devia ter mais do que 30 anos. Vem-me pedir lume e talvez algo mais. Bonito fato, diz-me. És português? Sou sim. Português e angolano é irmão, não é assim? É pois, respondo eu, e acrescento, o meu pai é angolano. É verdade, aqui nasceu, português é verdade, em Portugal há mais de 30 anos, mas, por direito próprio, há bem pouco venceu a batalha, a batalha para adquirir a nacionalidade angolana. Não para que pudesse ter qualquer benefício (para fazer negócios em Angola é muitas vezes exigido que se seja angolano ou se tenha sociedade com um angolano), mas por paixão. Adora este país, onde cresceu, onde se apaixonou pela minha mãe quando a acompanhava à escola e de onde saiu à força, vendo seu pai deixar tudo para trás. Embora este já não seja o país que o viu crescer, continua a amá-lo como seu, com tudo de bom e com tudo de mau que por aqui há. Mas voltemos às 8:40 desta manhã. Sim, o meu pai é angolano. Vou te pedir uma coisa, não fica chateado, diz-me ele. Olha, eu sou militar, tenho aqui a carta e vou-te mostrar. Não, não é preciso mostrares. Olha, a minha mulher precisa de ajuda. Podias ajudar, eu podia tirar a arma, mas não vou fazer. O homem que me interpela segura o cigarro numa mão e tem a outra mão coberta por uma camisa. Mas não me parece armado.”Tens que me deixar ir trabalhar”. A rua está movimentada, não tenho porque temer, penso para mim, mas estou nervoso, confesso, embora tente manter a calma, não demonstrar qualquer medo ou receio. Olha, eu podia tirar a arma, mas ia dar tiro aqui no meio da rua, fazer confusão. Ouve, eras apanhado ali ao virar da esquina digo-lhe eu. Oh! Comé? Ajuda. Diz o quê que queres? A minha mulher… medicamento tá caro. Então vens comigo ali à porta da Sonangol. Não, dá aqui. Gosto de ajudar, mas retribuo à confiança que me dão. Ao engraxador de sapatos que me pede 80 kwanzas, subindo o preço para lá dos habituais 50, eu dou mesmo 80. Quando não pedem mais do que 50 estendo-lhes a mão com 200. Confiança, trabalhador, tenta apenas ganhar a vida. Ali, com um militar que me diz ter uma arma, que desconfio que não tem, que me fala na mulher, que desconfio que não existe, coloco-o à prova. Se caminhar comigo até à entrada do edifício, mostrando confiança, talvez lhe dê 1000 kwanza. Não, 500, afinal de contas não deixa de ser um assalto e não sei se a mulher que está doente existe. Vens até ali comigo. Não, dá aí. Obrigado. Obrigado de quê? Ainda não te dei nada. Digo-lhe eu. Começo a ver no seu olhar algum receio, alguma constatação de impotência da sua parte. Um pula que não foi na cantiga, um pula que ainda chama a polícia, não me vai dar nada, se calhar devia só ter pedido, sem falar na arma que não tenho. Imagino que seja o que está a pensar. Ouve lá eu já podia ter atravessado a rua. Olha, eu vou para aqui e podes tirar aí. Diz-me, enquanto se afasta uns metros. Alguma confiança. Um olhar triste, o assaltante dá-me pena, que truque: falar numa arma e acabar a pedinchar. Tiro 250 kwanzas do bolso, onde tenho mais 8000, trocada que tinha sido a nota de 100 dólares logo no início da manhã. Ei, é pouco, não vai chegar. Ouve, já ter-te dado foi bom, dei-te, não dei? É uma ajuda. Obrigado! Agradece-me com um misto de tristeza e conformismo. Atravesso a estrada, lentamente. Atraiçoando o ritmo cardíaco que vai um pouco mais rápido do que o habitual, mas devo mostrar serenidade. Lentamente. Será que tinha mesmo uma arma? Vou pensando para mim… Se fosse de noite estava feito… Se calhar nem lhe devia ter dado nada… assim já pode comer um bolo e tomar uma gasosa… Bem, vou é subir, já tenho uma história para contar.

quarta-feira, 6 de maio de 2009

De onde surgem Mantorras e outros craques...


Ainda dizem que por vezes o campo em Portugal foi "inclinado" pelo árbitro, ainda se desculpam que a relva não era boa, ainda falam que deveriam trocar de sapatilhas, que as mesmas não se adaptaram bem ao pé...

Aqui, onde a estrada faz de bancada, qual terceiro "anel", onde o tamanho não conta, os pés descalços correm alegres atrás da bola. Miúdos, perseguindo o sonho, ou esperando apenas terem algo para comer quando voltarem a casa.

Onde uma pedra faz de poste, formando uma baliza sem trave, onde dois paus se unem por um cordel que serve de trave...
É por aqui que se fazem Mantorras e outros craques...

Fuga de Luanda - Ida a Cambambe







...3 dias e uma semana em Cambambe.
Objectivo: Dar formação a elementos da ENE.
Local de Acolhimento: Pousada da ENE, junto à Barragem.
Missão: Fuga do caos de Luanda e repouso em local idílico

terça-feira, 5 de maio de 2009

Sinto falta...

Quando se está longe sente-se a falta... eu...

Sinto falta. Sinto falta do frio. Sinto falta. sinto falta de regressar a casa. Sinto falta da mãe. Sinto falta do pai. Sinto falta da mana. Do Pedro, do João, do Eduardo e do Tiago. Da tia e do tio. Sinto falta da avó. Sinto falta dos primos. Da madrinha e do padrinho. Sinto falta de jogar futebol. Sinto falta da comida. Sinto falta da Ana, da Mafalda e do Álvaro. Sinto falta de correr. Sinto falta da Joana, da Carolina, do Zé, do outro João e do Gonçalo. Sinto falta de te olhar. Sinto falta do sr. António a servir o café. Sinto falta do metro a que me habituei. Sinto falta da música. Sinto falta de mais um João e outro Pedro, do Fernando e do Fernando. Sinto falta de pipocas. Sinto falta do meu cão. Sinto falta dos gatos. Sinto falta do Jaime e de ainda o outro Zé. Sinto falta do Sérgio. Sinto falta da Eleonora. Sinto falta. Sinto falta de mais um João. Sinto falta do Ricardo, sinto falta da paisagem. Sinto falta da Carina e da Maria. Sinto falta do cão do Pedro. Sinto falta da cidade. Sinto falta da Filipa. Sinto falta. Sinto falta do Luís. Sinto falta de telefonar. Sinto falta da Raquel. Sinto falta das cartas. Sinto falta da Inês. Sinto falta de tempo. Sinto falta do meu carro. Sinto falta do Júlio. Sinto falta de estar. Sinto falta do André. Sinto falta de ler. Sinto falta da Rita. Sinto falta de mais um Pedro. Sinto falta da salada. Sinto falta. Sinto falta do quarto. Sinto falta do Filipe. Sinto falta de aprender. Sinto falta da Teresa. Sinto falta de dar treino. Sinto falta. Sinto falta do Samuel. Sinto falta de horas de sono. Sinto falta da João. Sinto falta de todos os amigos. Sinto falta da Margarida. Sinto falta do vento. Sinto falta. Sinto falta de dar flores. Sinto falta do Rui e do António, do Gustavo e do Renato. Sinto falta do Bruno. Sinto falta de passar a ponte. Sinto falta da Rita e da Margarida. Sinto falta da mousse. Sinto falta da Carolina. Sinto falta daquele quadro. Sinto falta de que sintam a minha falta. Sinto falta de segurança. Sinto falta do Jorge. Sinto falta do resto da malta. Sinto a falta de mais um Ricardo. Sinto falta da mini. Sinto falta do Carlos e do Rogério, e ainda de mais um João. Sinto falta. Sinto falta da faculdade. Sinto falta do rio. Sinto falta da Sofia. Sinto falta do amigo do clube de vídeo. Sinto falta do sofá azul. Sinto falta de surpresas. Sinto falta do café. Sinto falta até de conhecidos. Sinto falta. Sinto falta da partida. Sinto falta da chegada. Sinto falta dos meus jogadores. Sinto falta de cinema. Sinto falta de passear. Sinto falta do cinema. Sinto falta das noitadas. Sinto falta do comboio. Sinto falta de todos os sorrisos. Sinto a falta de Portugal. Sinto a falta de tanta coisa. Sinto falta de sentir a tua falta. Sinto muitas vezes a falta de sentir qualquer falta.

segunda-feira, 4 de maio de 2009


Eu e o camba Alex, na Angola Telecom, há uns dois meses atrás...

Ladrão Simpático

Sexta-feira, depois de mais uma reunião no escritório, chegámos a casa um pouco extenuados mas com vontade de sair, pois tínhamos a festa de aniversário de um nosso camba, o Gilberto.
Ora já eram umas oito da noite, já a procissão (leia-se festa) devia ir no adro, daí que tivéssemos pressa. Foi chegar, abrir a porta, entrar, tomar um duche e sair novamente.

Pois, com tanta pressa o Alexandre deixou o computador à porta. Certamente foi o que aconteceu, porque quando regressámos já de madrugada ele não estava no apartamento. Sendo certo que o pc não foi beber um copo, confirmado que não estava no escritório esquecido, então foi mesmo levado por alguém que o encontrou tão sozinho à porta de casa, e logo numa cidade perigosa como Luanda.

Foi um fim-de-semana um tanto ou quanto penoso para o Alexandre, mas, segunda-feira, a manhã trouxe uma pequena surpresa. Pedro Silva abriu a porta e deparou-se com um saco cheio de papelada. Eram os documentos que o Alexandre transportava na mala do seu computador. Ah, ladrão simpático. Então os documentos podem fazer falta ao Alexandre e nem precisa deles para vender o computador. Muito obrigado! “Ainda há gente com bom coração” pensámos entre nós.