domingo, 29 de março de 2009


Sábado, dia 7 de Fevereiro.

Ainda não era uma da tarde quando o Pedro Silva me deixou a mim e mais dois colegas junto à Rádio Vial. Fora do carro aguardavam-nos o calor e uma série de lanços de escada. Subimos, subimos até praticamente ao topo. Mesas, diversas mesas, com o respectivo serviço de mesa já decorado. Alguns empregados ajeitam os últimos preparativos. Camarão, lagosta, salgados, doces e muito mais. Já passa da uma da tarde. Estamos presentes e na presença de alguns empregados, sem convidados. O calor faz-se sentir, ainda mais depois de tantos degraus escalados. Pedro sugere: “ E uma cuca na Marginal”. Penso para mim como será doloroso subir novamente tantos degraus, mas será mais ainda ficar ali, sem me refrescar por um período indefinido em que teremos de aguardar. Aceito. “Porque não? Vamos lá então”. Caminhamos até à marginal, café fechado. Sábado, uma e um quarto da tarde. “Vamos ao presidente”. O Hotel mesmo ao nosso lado avistava-se como a única solução. Depois de 3 cucas bem frescas e cada um mais leve 4.000 Kwanzas (4 euros), decidimos regressar para a festa. São agora 13.50. Lançamo-nos ao lanço de escadas novamente, escalado até ao topo. Agora sim, a festa estará para começar. Com ¼ das pessoas convidadas presentes. Normal. A festa começava às 13h. São 14h e pouco e ainda falta muita gente, estão a chegar pessoas, não vão parar de chegar até mais tarde. O nó aperta-se no estômago, os pratos começam a encher-se para regalo da barriga vazia. Todos se servem no buffet. A bebida é servida à mesa. Ainda não vejo a minha coca cola a meio e já me perguntam: “posso trazer outra senhor?”. Claro, virá bem fresca certamente. Camarão, lagosta. Come o pula, que para os locais é dia de funge. Sorteiam-se 4 automóveis, toca a música e naquele terraço soltam-se as pernas. Observo, apenas observo. Dançam com a paisagem de Luanda como fundo. Dançam bem. Fui convidado mas a festa é deles. Todavia, agradecido, gostei bastante. Mas, não tarda, vou trabalhar. Só um pouco, neste final de tarde agradável.
Festa Angola Telecom, 17º aniversário

terça-feira, 10 de março de 2009

Contrastes

Choveu ontem. Muito. Hoje está um dia de sol. Lindo. O calor não é tanto. Espreito a janela do 7º andar e vejo o mar. A baía de Luanda. Barcos. Sobretudo cargueiros. O sol reflecte no mar. O mar está calmo e azul. Mas o dia está bonito, por isso o mar está azul, mas não é azul. Contrastes. Engana a vista ao longe. A poluição suja a baía. Mas hoje não vejo poluição. O mar está azul. Azul de contrastes, como a camisa que visto hoje contrasta com a gravata que coloquei. Entre um azul acentuado e um azul mais claro. Hoje vesti azul como o mar que avisto mas que não é azul. Espreito por entre prédios em construção e edifícios em decomposição. Contrastes. Prédios altos e imponentes de um lado, o Porto à minha frente e o musseque à direita. Contrastes, entre prédios que estão cansados, desgastados. À espera que os deitem, antes que caiam sozinhos. Cidade de contrastes. Prédios novos. Edifícios velhos. Gruas e edifícios, edifícios que se querem erguer. Contrastes. Contrastes da cidade. Pobreza e Riqueza. Carros bons e carros maus. Carros muito bons, carros parados. Abandonados e maltratados, descansam ao longo da via, enquanto não os levam para descansar noutro lugar. Contrastes. Entre a confusão do trânsito, carros que procuram um centímetro quadrado, uma nesga de espaço para se desviarem, para avançarem. Entre a confusão dos carros na via, descansam pessoas no chão, no passeio junto à via. Não vão a lado nenhum. E os carros vão para qualquer lado, mas sempre vão, a qualquer hora, enchendo a via. Entre a confusão da via e a calma do velho, do novo, do homem e da mulher, que repousam ao longo do passeio. Sentados em cadeiras, deitados pelo chão. Contrastes. Entre o ar condicionado do interior de veículos potentes que circulam parados no trânsito e o calor que está cá fora. Contrastes. As motas são mosquitos, movendo-se com liberdade, sem uma direcção certa, por entre carros e camiões. Destemidos. Entre as paragens dos carros ao longo da via, presos no trânsito, avançando em soluços, e a liberdade das motas que se esgueiram pelo caminho. Contrastes. Entre o cuidado da condução de carro próprio e a loucura de candongueiros abrindo caminho. Contrastes. Entre fatos e fatinhos, do dólar e do trabalho, entre o roto e o esfomeado. Contrastes. Guarda que não me guarda, quer guardar o meu dinheiro, no bolso. Pinta-se o céu de escuro e cai a noite ainda de tarde. São 18 horas da tarde e parecem 9 horas da noite. Contrastes. Entre supermercados sem mercadoria e lojas de roupa cara. Hotéis caros para dormida curta. Chão quente para dormida na rua. Contrastes. Entre o branco e o negro. Contrastes. Entre buracos nas estradas e já sem os das balas. Contrastes. Entre a selva e a cidade. Contrastes. Do calor do inferno a paisagens do paraíso. Contrastes. Luanda de contrastes. Paixão e alegria, fome e tristeza, morte e incerteza, dinheiro e saudade. Junto ao mar e junto à terra, entre a selva de África e a Selva urbana. Contrastes.

(dia 3 de Março choveu, choveu a chuva tropical, que molha mas não arrefece)
...São 6.45, a luz do dia rompe as cortinas do meu quarto. O calor desperta, incomoda, logo desperta. Quando não há ar condicionado, ficamos condicionados. Acordar durante a noite, calor, calor debaixo dos lençóis, calor por cima dos lençóis. Fecho os olhos, durmo novamente, até a luz do dia romper a cortina. Abro os olhos, abro as cortinas, abro a porta do quarto, abro a torneira, abro a toalha, abro por fim o fato em que me vou fechar todo o dia. São 7.20, saio de casa, saímos de casa, somos três, eu com 26, o Alexandre com 24 e o Pedro 33. O Valter atrasou-se, atrasou-se 15 minutos, 15 minutos dá 1h. Sim, 1 h a mais no trânsito. 1h e meia de manhã, 2h e meia ao final de tarde. 4h. 5 dias, 5 dias são 20h. Lá se vai praticamente um dia. Um dia no trânsito. Chego tarde, são 8 da noite. Hoje não tenho luz, como quem diz TV, internet, tomada para carregadores. O computador está sem carga. O livro que lia está escuro. O frigorífico que gela está quente. Tenho água, por hoje tenho água corrente. Vou sair, volto já, é só jantar. E quando volto a casa está escura. A água corrente não é pura, não se bebe, a água no frigorífico já está noutra temperatura. Passo água pela cara, lavo os dentes. Hoje deito-me mais cedo. São 23h. O quarto está quente, condicionado pela falta de ar condicionado. Tento dormir, mas o calor incomoda, o calor desperta. De noite o barulho da rua rompe pela janela do quarto. Até adormecer e esperar pela manhã, até a luz do dia romper pelas cortinas do meu quarto, acordo. Abro os olhos, abro as cortinas, abro a porta do meu quarto, abro a torneira, abro a toalha, abro por fim o fato em que me vou fechar todo o dia. Não, o calor que não dorme chamou-me mais cedo. São 6 da manhã. Tenho 45 minutos para estar acordado enquanto tento dormir mais um bocado. Bom dia Luanda…

quinta-feira, 5 de março de 2009

Trânsito parado



São 8 e meia da noite. O trânsito alastra-se pela cidade, para dentro e para fora. Em cada cruzamento uma batalha, por uma nesga de espaço, por um lugar, para circular. Da janela do meu quarto observo o quadro pintado na avenida. Um autêntico quadro. Venho para dentro, tomo algum tempo e volto à janela. Parece-me tudo idêntico, como um quadro que já vi. Trânsito parado.Som em movimento. Buzinas e mais buzinas fazem-se ouvir. Gritando alto como se com isso ganhassem terreno para avançar. Todos os dias, todas as manhãs, todas as noites... o mesmo ritual: trânsito parado.

Desligado

Dia 1
28 de Fevereiro de 2009, Clássico FCP – SCP, tudo em aberto, zero a zero, minuto 86, oiço um estrondo uma fracção de segundo antes de deixar de ver um palmo à minha frente…
“Foi-se a luz” diz o Pedro ao meu lado.
Ok, esperemos que volte amanhã. Penso para mim…
“Vamos sair e jantar. Se entretanto não voltar, depois ligamos o gerador.” Completa o Pedro.

Dia 2
Sem luz e sem gerador
O gerador não funciona e não há água

Dia 3
Tudo na mesma, tirando o facto de poder tomar um banho às escuras, temos água.

Dia 4
Ainda não há luz. Desligado do mundo.

Dia 5
O electricista era para ter resolvido o problema do gerador, mas nada feito. A ENE (Empresa Nacional de Energia) ainda não resolveu o problema.

Dia 6
Acordei com frio. Uma aragem fria. Senti um desconforto. Retirei da cara a t-shirt que me tapa os olhos e me protege da luz, que bem cedo entra pela janela adentro. Dia 6, a luz voltou. Esse frio é o ar condicionado.

Luz, ar condicionado, frigorífico, TV, internet, tomadas para carregar telemóveis e computadores… Nada de mais. Nada que julguemos extraordinariamente importante quando estamos por Portugal. Até que nos falte, não sentimos a falta, não damos importância.

Regresso ao mundo. Ar condicionado ligado. Vou enviar um email, escrever no blogue, ler um jornal, carregar o telemóvel, ouvir o som da TV, beber algo fresco. Nada de mais.