terça-feira, 10 de março de 2009

Contrastes

Choveu ontem. Muito. Hoje está um dia de sol. Lindo. O calor não é tanto. Espreito a janela do 7º andar e vejo o mar. A baía de Luanda. Barcos. Sobretudo cargueiros. O sol reflecte no mar. O mar está calmo e azul. Mas o dia está bonito, por isso o mar está azul, mas não é azul. Contrastes. Engana a vista ao longe. A poluição suja a baía. Mas hoje não vejo poluição. O mar está azul. Azul de contrastes, como a camisa que visto hoje contrasta com a gravata que coloquei. Entre um azul acentuado e um azul mais claro. Hoje vesti azul como o mar que avisto mas que não é azul. Espreito por entre prédios em construção e edifícios em decomposição. Contrastes. Prédios altos e imponentes de um lado, o Porto à minha frente e o musseque à direita. Contrastes, entre prédios que estão cansados, desgastados. À espera que os deitem, antes que caiam sozinhos. Cidade de contrastes. Prédios novos. Edifícios velhos. Gruas e edifícios, edifícios que se querem erguer. Contrastes. Contrastes da cidade. Pobreza e Riqueza. Carros bons e carros maus. Carros muito bons, carros parados. Abandonados e maltratados, descansam ao longo da via, enquanto não os levam para descansar noutro lugar. Contrastes. Entre a confusão do trânsito, carros que procuram um centímetro quadrado, uma nesga de espaço para se desviarem, para avançarem. Entre a confusão dos carros na via, descansam pessoas no chão, no passeio junto à via. Não vão a lado nenhum. E os carros vão para qualquer lado, mas sempre vão, a qualquer hora, enchendo a via. Entre a confusão da via e a calma do velho, do novo, do homem e da mulher, que repousam ao longo do passeio. Sentados em cadeiras, deitados pelo chão. Contrastes. Entre o ar condicionado do interior de veículos potentes que circulam parados no trânsito e o calor que está cá fora. Contrastes. As motas são mosquitos, movendo-se com liberdade, sem uma direcção certa, por entre carros e camiões. Destemidos. Entre as paragens dos carros ao longo da via, presos no trânsito, avançando em soluços, e a liberdade das motas que se esgueiram pelo caminho. Contrastes. Entre o cuidado da condução de carro próprio e a loucura de candongueiros abrindo caminho. Contrastes. Entre fatos e fatinhos, do dólar e do trabalho, entre o roto e o esfomeado. Contrastes. Guarda que não me guarda, quer guardar o meu dinheiro, no bolso. Pinta-se o céu de escuro e cai a noite ainda de tarde. São 18 horas da tarde e parecem 9 horas da noite. Contrastes. Entre supermercados sem mercadoria e lojas de roupa cara. Hotéis caros para dormida curta. Chão quente para dormida na rua. Contrastes. Entre o branco e o negro. Contrastes. Entre buracos nas estradas e já sem os das balas. Contrastes. Entre a selva e a cidade. Contrastes. Do calor do inferno a paisagens do paraíso. Contrastes. Luanda de contrastes. Paixão e alegria, fome e tristeza, morte e incerteza, dinheiro e saudade. Junto ao mar e junto à terra, entre a selva de África e a Selva urbana. Contrastes.

(dia 3 de Março choveu, choveu a chuva tropical, que molha mas não arrefece)

5 comentários:

  1. Grande João! Estou a ver que te estás a adaptar aí em Luanda. Sim senhor. Também outra coisa não seria de esperar, ou não estivéssemos a falar de João Abreu.

    Os teus posts estão mesmo muito bons. Continua a escrever. Claro que para mim tudo o que escreves parece uma "revolution of the mind" mas acredito mesmo que todas essas experiências são boas para ti e vão-te ajudar imenso. Obviamente que quando leio isto tudo não consigo parar de pensar: "Holy God. This is going to change your life in a zillion different ways!"

    Mas pronto, já reparei que tu dás sempre conta das mais pequenas coisas. Essas pequenas coisas que são tão diferentes em locais diferentes e que alteram a vida de qualquer um. É bonito ver sempre as tuas descrições e ver que o que às vezes parece tão banal noutras situações é tão importante. Mas também já dizia o nosso querido David: "The little things... there's nothing bigger, is there?"

    Espero que continue tudo bem e que daqui a nada já estejas aqui para me contares tudo pessoalmente. Como bom contador de histórias que és vou certamente passar bons momentos a ouvir-te.

    E pronto, um grande abraço! And there are no guarantees, but remember: Even in the future, the sweet is never as sweet without the sour!

    And why so serious?? Let´s put a smile on that face!

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  2. Não te sabia a escrever tão bem, afinal és um gestor artista....
    Beijinhos

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  3. Muito bom! ... agora sim, começo a conhecer verdadeiramente a cidade pelas tuas palavras, começo a desenhar em ideias as imagens do que tu descreves! Continua :)


    Beijinhos

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  4. grande abraço caro Joao...cá te espero para a festa do Tetra e quiça mais qualquer coisinha :))

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  5. grande abraço caro mister. Cá te espero para a festa do Tetra e quiça mais qualquer coisinha :)))

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