quinta-feira, 7 de maio de 2009

Assalto à mão desarmada

Como vem sendo hábito desde que fui colocado na Sonangol, hoje tomei café na pastelaria mensagem, a uns 300 metros da entrada do edifício, do lado contrário da rua. Uma manhã normal, como em tantas outras. Estou sozinho. Saio porta fora e caminho pelo passeio. Coloco-me entre dois carros estacionados, prestes a atravessar, quando sou interpelado por um jovem, não devia ter mais do que 30 anos. Vem-me pedir lume e talvez algo mais. Bonito fato, diz-me. És português? Sou sim. Português e angolano é irmão, não é assim? É pois, respondo eu, e acrescento, o meu pai é angolano. É verdade, aqui nasceu, português é verdade, em Portugal há mais de 30 anos, mas, por direito próprio, há bem pouco venceu a batalha, a batalha para adquirir a nacionalidade angolana. Não para que pudesse ter qualquer benefício (para fazer negócios em Angola é muitas vezes exigido que se seja angolano ou se tenha sociedade com um angolano), mas por paixão. Adora este país, onde cresceu, onde se apaixonou pela minha mãe quando a acompanhava à escola e de onde saiu à força, vendo seu pai deixar tudo para trás. Embora este já não seja o país que o viu crescer, continua a amá-lo como seu, com tudo de bom e com tudo de mau que por aqui há. Mas voltemos às 8:40 desta manhã. Sim, o meu pai é angolano. Vou te pedir uma coisa, não fica chateado, diz-me ele. Olha, eu sou militar, tenho aqui a carta e vou-te mostrar. Não, não é preciso mostrares. Olha, a minha mulher precisa de ajuda. Podias ajudar, eu podia tirar a arma, mas não vou fazer. O homem que me interpela segura o cigarro numa mão e tem a outra mão coberta por uma camisa. Mas não me parece armado.”Tens que me deixar ir trabalhar”. A rua está movimentada, não tenho porque temer, penso para mim, mas estou nervoso, confesso, embora tente manter a calma, não demonstrar qualquer medo ou receio. Olha, eu podia tirar a arma, mas ia dar tiro aqui no meio da rua, fazer confusão. Ouve, eras apanhado ali ao virar da esquina digo-lhe eu. Oh! Comé? Ajuda. Diz o quê que queres? A minha mulher… medicamento tá caro. Então vens comigo ali à porta da Sonangol. Não, dá aqui. Gosto de ajudar, mas retribuo à confiança que me dão. Ao engraxador de sapatos que me pede 80 kwanzas, subindo o preço para lá dos habituais 50, eu dou mesmo 80. Quando não pedem mais do que 50 estendo-lhes a mão com 200. Confiança, trabalhador, tenta apenas ganhar a vida. Ali, com um militar que me diz ter uma arma, que desconfio que não tem, que me fala na mulher, que desconfio que não existe, coloco-o à prova. Se caminhar comigo até à entrada do edifício, mostrando confiança, talvez lhe dê 1000 kwanza. Não, 500, afinal de contas não deixa de ser um assalto e não sei se a mulher que está doente existe. Vens até ali comigo. Não, dá aí. Obrigado. Obrigado de quê? Ainda não te dei nada. Digo-lhe eu. Começo a ver no seu olhar algum receio, alguma constatação de impotência da sua parte. Um pula que não foi na cantiga, um pula que ainda chama a polícia, não me vai dar nada, se calhar devia só ter pedido, sem falar na arma que não tenho. Imagino que seja o que está a pensar. Ouve lá eu já podia ter atravessado a rua. Olha, eu vou para aqui e podes tirar aí. Diz-me, enquanto se afasta uns metros. Alguma confiança. Um olhar triste, o assaltante dá-me pena, que truque: falar numa arma e acabar a pedinchar. Tiro 250 kwanzas do bolso, onde tenho mais 8000, trocada que tinha sido a nota de 100 dólares logo no início da manhã. Ei, é pouco, não vai chegar. Ouve, já ter-te dado foi bom, dei-te, não dei? É uma ajuda. Obrigado! Agradece-me com um misto de tristeza e conformismo. Atravesso a estrada, lentamente. Atraiçoando o ritmo cardíaco que vai um pouco mais rápido do que o habitual, mas devo mostrar serenidade. Lentamente. Será que tinha mesmo uma arma? Vou pensando para mim… Se fosse de noite estava feito… Se calhar nem lhe devia ter dado nada… assim já pode comer um bolo e tomar uma gasosa… Bem, vou é subir, já tenho uma história para contar.

8 comentários:

  1. Grande mister, grande Blog, visito frequentemente
    Grande abraço e tem cuidado :)

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  2. xoeme pá ...molengue....pula....
    espero que estejas bem....
    abraços
    nelo

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  3. xoeme pá
    tudo vai quente.....por ai...
    espero que estejas bem.....
    saudades dos cheiros tropicais......

    abraços

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  4. passaro espero q estejas bem.

    um abraço

    Andre

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  5. És o meu pula favorito! O único que tenho, aliás!

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  6. João,

    a tua tia, igualmente emigrante, aqui no Luxemburgo, está muito orgulhosa da forma como geriste o assalto à mão desarmada. é um prazer ler o teu blogue. quero também que fiques a saber que o teu primo - que vai carregar o teu nome - está à beira de nascer. um beijo enorme e com muito orgulho da Tia Manela, do Tio João e do primo Joãozinho

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  7. O meu primo saiu de uma situação delicada como um verdadeiro Mister!

    Agora sim, isto começa a aqueçer!!!

    Então e já houve alguma matumbina a piscar-te o olho?

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  8. Dos muitos blogs inóvianos que vou lendo, o teu tem algo de especial. Creio que é pela forma crua como escreves e descreves, emprestando ao leitor a tua visão. Isto para dizer que nem é melhor nem é pior, mas é muito mais... Real.

    :)

    Boa sorte nos desafios diários !

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